11/07/2007

O Marginal no Museu da Língua


Tenho medo da noite porque meu sangue é noturno. Na minha cabeça arde uma estrela desenhada por uma criança que sonha com ventiladores, com estrelas que giram e produzem vento, como se impulsionassem as mãos renascidas de um deus morto. Quando fecho os olhos sou toda a noite por dentro. A noite me reconhece porque sonho com olhos opacos e cegos que me olham e não me encontram no quarto escuro. Tenho medo destes olhos porque são os olhos da noite quando me enxerga e sabe que sou uma sombra oculta sob outras sombras, outras sombras ainda, em direção ao passado, ao mar noturno, ao castelo de areia em que dormem anjos noturnos mastigados pelos dentes noturnos do mar. A noite não se contenta com a profundidade das coisas ocultas, arma-se com visão infra-vermelha, joga um brilho azul berrante na sala do apartamento, torna a madrugada piegas e colorida. Tudo é deserto. Mas tudo tem que ser aceso e tudo tem que falar na noite desta cidade que já matou sua raposa há tempos imemoriais, esta cidade solar como o trono dos tiranos, como a andorinha absurda e obesa que nos vigia em seu pedestal dourado.


2 comentários:

Aldemar Norek disse...

Isto é lindo, Daniel. E forte. Na veia.
E a gente tem mesmo a impressão de que está no meio de uma madrugada piegas e artificialmente colorida.
Vamos chorar pela raposa.
abs

Aldemar Norek disse...
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