Quando você é vulgar: apenas negocia convenções, não domina os segredos, qualquer um pode dizer que árvore é o nome de uma cidade, que cidade é o nome de uma arma, que arma é um sentimento, que sentimento é o nome de um faraó. A língua epistolar é a conversa vulgar no desentendimento, mesmo que este ocasione encontros repentinos e imprevistos. É quando uma criança autista diz pra você: se o mundo gira, porque você não fica tonto?
12/30/2006
Verão
Nem um pio.
Quando o sinal abriu, as buzinas começaram a tocar e a tocar, cada vez mais fortes, até quase ensurdecer.
O verde luminoso em contraste com o azul dezenove horas.
oração desbarrocada de huuns e outros, pello fim do amno da graça de 2.006 e suas desvairadas razõoes
tacho do mundo onde se amassa a gororoba do Destino
cacimba grande cheia de um lodo pelos séculos decantado
página arabescada em que se aninha o gozo que farfalha
(ó favos onde a alma se lambuza)
ou poço escuro que me turva a dura via e que transmuta
o horizonte em muro
livrai-nos, ó caldeirão fervente, do massacre da objetividade
e sua ruma milionária de erros
livrai-nos da mediocridade
do que não é humano e nos consome
da escrotidão humana e das leis onde ela cabe
e fabricai um deus no espaço entre as moléculas, na fissura dos dias
nas brechas entre seus grãos, fabricai um deus, um orixá
no espaço entre as chamas, no espaço em chamas
movido pela vertigem das balas traçantes
um orixá que cante um ponto novo e que derreta
a cera dos ouvidos
e nos ampare nesta mata agora
sem saída
12/29/2006
Papo Elefante*
Samsi tio nimar lepol
Lupulofusco estanelbolim
Percentualissimamente glorila morticida
Emiliomedicin lulcompanego polical
Linicaro vargerrorista virtudamos
Ethantropodaimon navonar peudoteca
Intelectais comermundial deciferados
Plecanetol liman etoneal
Burglatéia pedrajahugoaboall
Impotenpoesia bumbamestheta
Zuzicuni nelopaper utinur trotil
Sampriobrás rampala-cio cacetete filinto
Ubiratonto 111 111 111 e-leito
Mealuci juses trepolias rascânios
Zumzum blatinescope zas
Tras psicobombelal lapetão
Roarrrrrr mefiticamorte
Polemos polentotal estilaço estil
Et
(após discurso quase rouco
jabor toma indignado
uma coca-cola pela paz)
* Ao som de Happiness is a warm gun.
Prazo
Voou hoje da calçada
A lua, por um atalho aberto
Em colo marmóreo de mulher,
Subiu da praia ainda crestada
Dos últimos veios solares.
Era tempo de nada, até isso:
Um caminhante estranhando
A outra em decúbito,
Seu sangue à cabeça
O cândido balir dos pregoeiros de van
E, após, grossas nuvens arauteando
- num fim incerto a esse relato -
O pôr de toda luz.
crítica viva voz aos contributors do LE
aos nomes
não vou subir num pedestal
não vou descer o nível
é deixar o fluxo
prosseguir a maciez
de suas ondas
invadindo ruas, becos
bocas e cabeleiras
é deixar a dureza,
crueldade
tomar de sopro
novamente o silêncio
não, não vou ligar
o viva voz
de minha crua luz
o ano vem, se aproxima
e apenas 35% dessas
pessoas acredita nisso
e para quem não acredita em nada?
quando se queimam pessoas vivas
quando se furam, baleiam
as pessoas mortas
mortas, já mortas
não temos armas
e sobrevivemos pela beleza
ou pelo silêncio.
não, não
sempre há de ter um filete
uma réstia
aí, estará nosso nome.
poema insone
carne viva e na mal-soçobrada
esperança.
(calar-me, até).
12/28/2006
O nome do Jogo
...e eis que sigo pistas falsas entre abismos
labirintos de névoas esculpidas como fossem cadafalsos
e caio no breu sem trégua o breu que arranha
o cais bem mais que a água impura onde afundei
meus pés atrás de sombras baças
toca-me então o lábio frio e invado inquieto
salas escuras de pedra antúrio e pedra
nácar e pedra onde dormem
uns sonhos que larguei na primavera
sucumbe agora em mim um vago ardor que amava tanto
e amplia os vastos territórios onde a lua
na luz negra de um destino (cruel?) me iluminava
extenso amor sem sombras nem promessas
que o Presente nunca remunera
Angelus novus
indo embora
e um grupo de franceses
– você me diz
contesta esta comemoração.
“Como seria passar o tempo
sem tempo?”
Súbito o vento desloca
seus cabelos.
Na praça da Paz as pessoas estão agitadas
talvez o calor, penso, talvez
porque precisem reinventar rápido um ano novo
ajeitar os sapatos e as sandálias
as roupas cheias de ar
brancas
como Emily Dickinson.
Rei Vadio
O poeta há anos sem cantar. A ausência de sua voz única, modal, deixava um ar de nostalgia no casebre. Seu dedilhar ao violão, segundo Tinhorão “estrambótico” (de fato ele puxava as cordas fazendo-as vibrar como palhaços vestidos de negro cantando num circo incolor sob a luz negra de um destino cruel). Ou alguém que dominasse o segredo mais puro do vinho:
Em Brasília anos atrás dois amigos bêbados, um mais frágil mal conseguindo andar, o outro se arrastando e arrastando o outro para casa. Dois idiotas, dois bufões para as famílias de funcionários e os afamados boyzinhos da cidade. Dois náufragos, dois albatrozes para os corações românticos. Dois signos da revolução que nunca veio para os perdidos em barricadas.
O silêncio do poeta sempre foi uma forma de presença, como aquela do girassol se girassóis falassem. E naquele tempo as coisas não tinham parado, as coisas rolavam como aquela sinfonia de aparelhos de rádio distribuídos ao acaso – mas com partitura. Como as pedras que rolam na rua sem um cantinho de seu (Lupicínio Jagger, mais ou menos isso) pra poder des en cantar. Não era o fim do mundo. Mas era uma beleza a menos (ou duas, ou três, ou mais, dependendo do tempo).
Até que um dia, diante dos 5 companheiros o poeta começou a soltar a voz pra dentro, depois mais alto, uma música inédita sobre alguém que pisava em folhas secas & um daqueles paradoxos de sua comunidade, pois era um canto sobre quando ele não mais cantasse ou alguma coisa do tipo: garanto que não beberei nunca mais. Amigos viram que, no estado em que estava, o poeta se esqueceria amanhã do que tinha feito. Anotaram e no dia seguinte mostraram a ele a nova canção.
O mundo tem dessas coisas.
12/27/2006
Limite
redor
12/26/2006
Oração a Santa Baleia de Vidas Secas
Você anda cabisbaixo? O problema é dinheiro? Falta do mesmo? Não falta mas insuficiência? Não há suficiência? Piscina, churrasqueira e escada de mármore? Amor não correspondido? É você o objeto do amor em falso? Convenceram-te que o real resume-se ao possível? Que a uma causa segue-se um efeito e sempre o mesmo efeito à mesma causa? Que o possível é o predito pelos donos do Logos? Que você ao contrário só tem voz para exprimir dor e gozo? Que há anos atrás as pessoas usavam chapéus e luvas negras, mas agora elas só se encontram em dia de enterro? Que o trabalho dignifica o homem? Mas seu trabalho é uma merda? Você é uma merda? Onde já se viu uma conversa destas? SANTA BALEIA DE VIDAS SECAS está aí para mostrar o caminho. Repita esta oração 49 vezes e depois interceda você mesmo pela SANTA:
“Minha SANTA BALEIA DE VIDAS SECAS, vós que sois sabotadora do realismo social, aniquiladora da consciência orgânica do Todo Nacional, vós que sois teofania do Deserto, epifania da fome universal, vós que sois lobisomem no sentido lato do nome, bicho matável sem ser assassinável, impuro ente não-sacrificável, vós que sois Atma, Khadir, Avatar, Oxum, Zoroastro, Matusalém, Ibn Arabi, Noé, Fourier, Nietzsche e Gregor Samsa, vós que sois corrida louca do fugitivo mutismo no Cati, raposa que caiu no ninho das cobras, vós que sois macaco autoral-acadêmico que prestou relatório a uma platéia de doutos, ensina-me o caminho sempreverdejante dos preás, furta-me ao embate dos caçadores caçados que correm atrás dos próprios rabos, ó meu irmão Alfredo com quem subi o Monte à procura das fontes de cuscuz e dos rios de leite, também és Divina como eu, minha teopatia de trovador Fiel do Amor, és o eterno Farol, és a Guia, és Senhora, Sentinela Avançada, és a Guarda Imortal da Bahia, ensina-me a imaginar Meu Nome que ainda não conheci, de que só pressinto a superficialidade das letras, que anda oculto comigo aonde vou, SANTA BALEIA DE VIDAS SECAS, nada é por acaso.
B-RÊ-A-BRA-SI-I-LÊ-SIL FÊ-U-FU-SI-I-LÊ-SIL CÊ-A-CA-NÊ-AGÁ-A-O-TIL-ÃO”
Rinha
o que fazer diante da arena branca,
seus 4 lados que limitam
o Abismo?
os ventos que aqui sopraram
e trouxeram uma voz, uma palavra,
alguma idéia, agora
só carreiam desconforto
e a certeza de que nada
se resolve neste luta, nada
atinge em cheio o âmago do
adversário, aliás
você mesmo, parado neste sítio
olhando a linha sem linha que separa
o território branco do Nada
onde se encontra
isto aqui, a que chamaram por Mundo
e seus vazios desencontrados
que insistem sempre em não seguir
qualquer letra.
12/24/2006
12/23/2006
Desconstruindo as Cartas ao Papai Noel (cut up)
12/22/2006
Feliz Nariz, Natal!
Todos gostam dela
Juntos eu e ela
Fazemos na panela
Um guisado de gambá
Tem cheiro, é cheiroso
Tem gosto, é gostoso
Tem gênero, é generoso
Presente pra se dar!
Tá na hora
De comemorar com muito som
E ensinar
A esse na-
Riz que uísque é bom
Mas não seja jato de carreira no natal - a rena
Já tem o nariz vermelho - seja original!
Gripe, o nariz ataca
Bip, a coriza surge
Rip, o lenço destaca
E limpa essa coisa suja!
Assoar o náriz
Em todos os lugares
É o bastante para es-
Tranha confusão!
Tá na hora
De comemorar com muito som
E ensinar
A esse na-
Riz que uísque é bom
Mas não seja jato de carreira no natal - a rena
Já tem o nariz vermelho - seja original!
Com meus votos de boas festas para todos os epistolares, e que todos metamos muito o nariz onde não somos chamados em 2007!
Cartão de Natal Ordinário mas Bonitinho e Verdadeiro
12/21/2006
Nota de Rodapé
Símbolo:
proliferação de flores negras
na garganta
hálito noturno em tudo
o que diz
odor de feras marinhas:
hino para a Pantera
que alfineta a boca que beija
Alegoria:
o hálito (clima do poema)
é arbitrário poder
de dar nomes
após recebê-los, indefeso
é o cruel próprio ao humano
só não se sabe (deriva do método
alguma falha no mesmo)
se o eu-lírico sofre ou
se rejubila (paixão – passividade
patologia – atividade?)
Diábolo
necessidade de explicação incoerente
constante fuga da polêmica
(polemos = guerra, deriva de
pólen = orvalho da morte:
lenda popular - do povo que ainda vive
nas trevas que um dia iluminaremos)
mostra o sujeito pervertido
pela má sorte, quando urubus
pousaram sobre o pequeno espantalho
enquanto decorávamos
pela enésima vez
a lista das declinações
verbais (melhor ainda seria
se isto nunca tivesse escrito)
Alegoria:
tábua das leis, moral
da história
para leitores cansados
Diábolo:
num belo embrulho
para Soldados da Virtude
Símbolo:
para epistolares
12/20/2006
Festa
Perto, a moça atende a quem liga por "amor".
Estivemos falando com o tique a vibrar,
Chamando pós reconhecê-lo, tal qual em
Cidade do interior.
Os quatro cantos do mundo
Cada odor distancia à minha volta.
Seus golpes sobre a intimidade
Esfacelam, implacáveis!
Mas retornei, e me saúdam todos
Como se minha cara germinasse na internet.
O nariz de qualquer meu amigo
Estaca, voltado em sentido diverso:
Girassóis de vento.
Percebo o que quero, seus olhos fixos
Também, e a cavalgada de reflexos inteiros
Dos risos, soando no fundo do entanto
A vidro partido. Ainda bem que há música
Pra cerzir ao ar tantos gestos.
Volta e meia rosna a faísca da agulha:
Me sentaram junto à única lata de lixo.
Jam
encerrado no corpo
encapsulado
também preso à carceragem do Tempo
- a pele (limite úmido e quente com o mundo)
rasgada pelos grafitos do acaso
rasuras arabescos (e
toda subtração
que as provisões do que há por dentro possam suportar)
a pele percebe que você quer sair - e lhe contém.
(tem a ver com a raiva do corpo:
só o corpo odeia com a impureza de um hormônio
e ama com a mesma impureza
- a alma contaminada nem gravita em torno
com uma vaga impressão
daquilo que se apreende
ao Universo torto:
consciência é distorção)
foi nos becos sujos desta alma (ou corpo?)
que falanges de anjos excluídos de olhar vago
fortemente armados
sitiaram os desejos os projetos
num último bonde antes do apocalipse
entre projéteis
e um deles (o que sorria)
olho no olho
esculachou:
perdeu maluco
perdeu
encerrado no corpo
o mundo é o que lhe foi amputado
e dói
A Ilha
a ilha está
falta-me Deleuze
falta-me De(l)e(u)s)[i]ze
um anagrama
o deslize de Deus
foi este
à deriva todos
numa ilha
sem gaivotas
sem azul
apenas o brilho
e a dureza do
aço
rubro metal
solidão das águas.
12/19/2006
Apocalíptica
tudo é o contrário
do que se espera
pode ser
que se dê o contrário
a quem o disse.
- Daniel Farias
concentre-se, deixe de tagarelice
(satisfissura, filosofice)
o que vem ao caso
é o capuccino Cavazzi
e o papo inicial deve ser recordação de um escândalo
a descoberta de que os pés descalços
franciscanos
foram o terror da África
os mais cruéis e duros missionários
os mais violentos
apocalipticamente corretos
no extremo da humildade:
mortificação, proliferação de carimbos.
(não, não escrevo um libelo antifranciscano, trata-se apenas de uma situação infeliz, nada a ver com São Francisco de Assis e a rima involuntária não nega que recaio no mais prosaico, mas nem que seja desta entrelinha me livro:
“umbigo sou baguncei ô que cegueira!”
a vida no mar não tolera ambigüidade
e o que digo assino embaixo)
o capuccino Cavazzi é cheio de episódios
em Matamba e Angola
epos – ódio, quando
dizia: valhacouto de escorpiões
antro de pestilências e o barulho
desta música que de tão desafinada lembra uma assembléia
de demônios
onde o capeta é santo
São Capeta
terra dos insetos articulados, das múltiplas patas
assassinas, Nzinga ao sol vermelho,
e relatava o embate com o nganga
que segurava numa boa o ferro em brasa
e afirmou, isso é fácil para um missionário
império das virtudes
e segurou o ferro e sentiu a queimadura
o frigir da pele (mas “ímpios” olhando)
e deus (quem mais seria?)
lhe deu força para fingir
que nada sentia
e o missionário é um fingidor etc e tal.
o capuccino Cavazzi jamais caiu na real
parodiando OA ou SF ou FN
foi o real quem caiu em Cavazzi –
e não temos pena dele por isso.
falando nisso outro dia
sincronia misteriosa
alguém que se chamava Apocalíptica
telefonou para mim
procurando por Daniel Farias:
- alô!
Daniel Farias? não, absolutamente. ou Daniel Faria,
é, não falo do morto poeta português,
é aquele monge não sou aquele, mas simpatizo,
queria ser manso como ele,
ou Daniel F, sugestão de queridos amigos EP e FV,
é, não uso pseudônimos, detesto.
o quê?
não, a Giovana discorda.
hein? persona?
só se fosse o Príncipe Michkin
ou o pai dos irmãos Karamazov de uma vez por todas.
mesmo assim você prefere o Farias?
não aqui não, ele é o Império da Virtude,
AgitProp, essas coisas de missionário,
niilismo e ressentimento de pseudônimo
é, sei que são vários
Fiscal de Chat Literário, bela profissão
de fé para anarquistas.
oi? desculpe, estava pensando que Muntu
é palavra intraduzível.
ãh?
foi engano?
ledo engano (pensei)
o que me faz pensar
aliás não me faz pensar em mais nada
este “poema” encheu o saco.
12/18/2006
espalmada
eram aves marinhas. esguias. grasnas gritos pios. uma descida rápida. o parafuso. vinham de uma ilha rasa. vinham do susto. baliza. envelope de pêlos ossos músculos. o atrito. a espreita [intranqüilidade]. ela esbarrada no parapeito, tornozelo de tordesilhas. ela barrada em azuis, as nadadeiras despidas de malva. não soube responder como chegam a terra. o barco cruzando ao longe da água. perversa. vejo-os todos os dias. alto o prédio. ondulante e salgado, o sudoeste entrou traiçoeiro.
12/17/2006
Antes do Apocalipse.
Nau
Há todo um oceano
em mim.
Em cada ato,
falho,
os erros e acertos,
os ecos silenciados,
as insinuações.
Quando eu grito,
um índio implora.
Quando eu sussurro,
mais um risco se desenha
na pele do aborígene.
Quando eu gemo,
um negro escorre
pelas savanas escuras.
Quando eu me aquieto,
outro indiano afunda
inerte, no Yamuna.
Nada mais me resta,
a não ser
mentir.
Velas içadas sob as ondas:
Meus olhos
revirados
são.
Possuído pelo nome
Eu não me lembro
Mas sei que estava lá
No dia da repartição dos nomes
Das parcelas de terra que a cada um caberia
O solo para pisar
E a terra que se reparte em água que se reparte
Em ar que se reparte em fogo que se
Reparte em alma
Que se respira.
Meu nome caiu em mim
Como alguém que cai em si
Ao se apreender no nome doado
Onde antes havia gruta - voz gutural -
Mancha imortal surpreendida
Em traços inscritos em pedra
Que acenderam no corpo o sopro
Criador das imagens que são você
Seu você mais profundo
Abismo tão distante quanto as últimas constelações
Mas que é você, a quimera presa em seus ombros,
O pássaro rosa-azul, de motivos florais nas asas,
O pássaro que absolutamente não canta
Mas salta de seus olhos enquanto você dorme,
Aninha-se nas asas do Simurg.
É com este nome que lhe caiu como uma pedra
Como um soco na boca
Do estômago
Que você se depara no hipermercado
Com a mulher de dentes cinzentos
De quem mastigou cinzas de cigarro o dia inteiro
Usando um chapeuzinho meio caído de lado
E um vestido puído ex-rosa meio azul
Mulher que te observa como Adão a seus animais anônimos
E vê você pegando entre as prateleiras coloridas
Sob a voz que anuncia o melhor ou
Como ser feliz usando o plástico de matéria-prima
Os pacotinhos violeta de ração para os gatos
Sabor carne, sabor frango, sabor salmão
“O mesmo sabor de patê, mas com menos sal”
A bruxa explica.
O mesmo nome no outro
Dia à noite
Vê com você a Sempreverdejante
Mestre que ensina o caminho
Das flores negras presas na sua garganta
Mestre de pele dourada com arabescos de flores
Pele boa de beijar e morder
De Sofia Eterna
Destruidora de homens, destruidora de cidades
Destruidora de navios
Arrebatadora do silêncio, solapadora da auto-suficiência
Com um sorriso
Com um jogo extremo de percussão:
“Esta música infernal”, dizia o capuchinho Cavazzi.
Tudo menos o poeta.
Quero me redimir.
12/16/2006
onde andará o poema?
trem sem fumaça
som
objeto-conceito
e ainda assim
nem-isso
tentativa,
pedra
água
o asno
e de repente gritos
golpes
batidas
e só no silêncio
urge
só
12/15/2006
o poema
a que me agarro esta mudez
total detrás das vísceras decerto
estranhamente naturais à espera
sim à espera despido o ornamento
o som o símbolo inespera o ser
na última fronteira e trava
o embate cego contra o nada ou contra
algum desejo que o esmaga deseja
sim deseja o que as coisas têm
o hábito de ser as mãos pousadas
ou mesmo passos na varanda
antiga já que por dentro em todos
os desvãos e em linha não tão
reta nem abrupta uma voz
sussurra às vezes grita
sossega leão
sossega leão
12/13/2006
Mazagão (Ao som de Los Mareados)
de repente você acorda
há menos de cinco minutos pensava que desta vez sim
conseguiria dormir
mas de repente você acorda
- puta que pariu
observe o rebanho que mastiga o capim
e o som dos dentes e da saliva no verde: rio fluindo
rio de pedras polidas fluindo no esquecimento.
- merda, por que sou gente?
você não consegue dormir porque sabe que se esconde
numa fortaleza, tão complicada e delicadamente construída,
que se tornou sua prisão desconhecida em que você trafega como um rato
a porra de um rato com memória
a porra de um rato com nome próprio.
a infantaria ainda não foi inventada você tem que se virar
com estes canhões enferrujados e um crucifixo
- fodeu!
eles estão lá fora mais maneiros e manjados que você
desta vez você se fodeu.
você vegeta como um cão de guarda entre os muros de pedra
- e só agora te avisaram.
eis o plano de fuga:
o Imperador ordena, não a dor, a dor de cada um
que se foda dançando entre os dentes, a dor, o grito que silencia,
o silêncio que se grita foda-se, o Imperador ordena
tome conta dos seus pertences, do seu álbum de fotografias,
guarde com zelo o nome da família, vele pela memória de Mazagão,
pegue a maldita canoa e saia pela porta minúscula que se insinua
à beira-mar. e não exulte você não vai afundar no Lethes.
você vai é parar no meio de ruínas
numa cidade bolorenta sangrando à virgem que se arrombou
num terremoto daqueles, uma puta caçada por Sacerdotes,
uma órfã sem eira nem beira, um convento derrubado,
a porra de uma cidade fodida é pra onde você vai.
e não se misture com seus habitantes
até nesta merda de mapa você só está de passagem.
eis o plano de fuga.
- e só agora te avisaram.
depois agora você vai se cagar no meio do mar
rumo aos trópicos aqueles mesmos
em que centauros comem o verdadeiro fruto proibido
lá permitido (as mangas-rosas altas e saradinhas)
terra das grandes cachoeiras e dos carimbos.
- mar, que belo e verde!
só se for na beira da praia, lá dentro
a pura monotonia os dentes da maresia
que absolutamente não canta saltam do verde e liso mar
e ferem seus olhos lambem seus dentes apodrecem sua boca
uma cloaca, lábios de labirintite.
- me fodi de novo.
oh, quanto sal, são lágrimas de um boçal.
finalmente você chega à nova morada:
madeira podre infestação de formigas casas caindo
chuva torrencial medo dos canibais que inexistem
mesmo assim te mordem roem dentro de sua cabeça
e você ainda a preserva, a porra da memória.
- Dona Maria a Louca mudou de idéia
reconhece em você a triste, tristonha marionete nas mãos do destino
esta bosta de metáfora com luvas negras e frases-feitas desenhadas
há de liberá-lo, pode ir, o mundo é seu.
- e só agora nos avisaram!
- e só agora nos avisaram!
- vulgar monstro delicado, meu irmão!
é preciso agir rápido, aproveitar-se do começo
num ponto qualquer, qualquer incidente serve,
o veto e o decreto de uma Rainha pirada que seja.
esta pode ser a hora de esquecer-se
sempre agora ritualizar-se
destinar-se.
12/12/2006
Felicidade ou um efeito
sustenta,
sob um barômetro,
uma pilha piramidal de caixas e cartons.
Ali ela se senta sempre silenciosa,
postura ereta, gestos comedidos.
seu pescoço perfaz um vai e
vem
- parece um papagaio, diria Gustavo.
O dia levanta,
e os movimentos de seu coração
[uma rosa no esplendor]
diminuem, ela
olha fixamente o retrato de uma criança,
manuseia o peso de papéis, joga-o pro ar
quando percebe um
chocolate colado ao grampeador.
Alguns minutos vão-se,
ela fica.
12/10/2006
Fim da Aproximação a Numbers de Creeley (Intervalo - Elipse - Contar até 10 etc etc etc)
Zero*
Onde está você – que
por não estar aqui
aqui está, mas aqui
não por estar aqui?
Não há atalho no real –
a mente,
qualquermente,
o perfaz. Você
nonada, nenhum
lugar que eu saiba tão
bem quanto o ar
ou expiro a fumaça
para fora da boca
também dá no nada,
e este é o destino.
parece natural desde o dez
o retorno do um –
mas isto já não é mais um –
saído do nada, o um, retorna –
brasileiros têm um jeito meigo –
alguém já o disse –
de “não fazer nada” – Que mais
devem, conseguem, fazer?
*
por não ser
é – e não
por ser.
Quando os buracos têm sabor
Os deixamos no queijo.
*"Toda aproximação é um tipo de distanciamento."
12/09/2006
Moby Dick II
aos húngaros. Liszt ensaia com os ciganos.
o mar ao fundo é imaginário, mas as ondas
esbatem em seu corpo. cigana era. e nem
sabia. e onde está a baleia? - balaço!
não se pode alcançar o céu sem o silêncio.
12/08/2006
Rascunho
Palavras que se perdem
para se misturar
um risco
Na língua
Quem não chora não mama
Nesta cidade a chuva
Não sabe cair
Nada de mãos pequenas!
Sempre vem com tudo revirando a van azul
Que por dentro revira os passageiros.
Argonautas?
Pobres-diabos,
O caralho!
Vamos pôr gelo no ouvido
Que lá vem a sirena de garras de ave de rapina
E fones de ouvido
Trancar pra sempre nossos corações aqui e agora em:
Amor amor delicia-me o vômito de uma criança
E não se esqueça de me abandonar
Trago-te dentro da veia oh meus alvéolos!
Isso é o que ela queria
Com esta canção de sugar candy and brandy.
Mas hoje nossas carteiras estão de olho
No cara de chapéu de palha e cigarro de palha
E blusa de estampa colorida
Chico Science desta pujante terra de Guilherme de Almerda
Que entrou na van sem um centavo no bolso
E vai ser esporrado pelo motorista e pelo cobrador
- Por que você acha que acordei às cinco da matina?
Entre um café e um suco de cajá
Conto esta anedota comigo acontecida
Na cidade molhadinha a desamigos:
Da próxima vez tragam caixas de fósforo
Vamos tocar fogo neste poema bolorento!
12/05/2006
O Império do Óleo parte II
Já me originada, vou nela terminada
Em substâncias biológicas da mortalidade
Por colisão, paciência dos metais
Entre pedestres idosos.
(Pingo do tanque)
Ponta na maior parte
Sobre a estrada do lugar previsto na distância,
Dirigindo ao longo do irmão da dança
Tenho sido destacada desse acessório ou objeto
Que pode ser conceituado pelo
"número do chassis".
(Pingo do tanque no asfalto)
Porta entre as linhas ao lugar da indicação
Feixes do cheiro
Cinco formulários sentem para trás.
(Concerto para a Unificação da Europa)
Apresentei a importância do Estado de natureza, que
Não dispunha desse tipo de mortes
Ocorridas por cem mil mulheres
Examinando as maiores diferenças.
Podia ser o coeficiente
De trânsito por acidentes:
Mulheres e líquidas, gases em São Paulo.
Aproximação a Numbers de Creeley 5 (Ou como contar até 10)
Aqui não
se repousa.
Agita-se,
reflete-se múltiplo
o três
vezes três.
Como espelho:
volta aqui,
estando ali.
*
Talvez em
ênfase implícita –
a mais que a mais que –
“tríade das tríades,”
“triplamente sagrado
e perfeito” – o que se
resolve –
na mutante
cadente destinação?
*
De certa forma, o jogo
em que algo se esconde
na casca da noz, uma
pedra ou moeda, e
a mão mais veloz
que os olhos –
como podem ser nove,
e não três
alternativas, a não ser
que sejam
três imaginações,
e são dois jogando –
o que dá seis, mas
o mundo é real,
mesmo em si.
*
Mais. Nove meses
da espera à descoberta
de vida ou morte –
outra vida outra morte –
não a sua, não
a minha, como se vê.
*
A diminuição gra-
dativa da progressão
dos produtos que
me fez lembrar:
nove vezes dois é um-oito
nove vezes nove é oito-um –
de cada termo,
atrás, adiante,
então, o mesmo
número.
*
Que lei
ou
mistério
que ama
se
ocultar.
O Império do Óleo parte I
Cansada não sei se estive, antes de usar como disfarce uma presunção alheia dessas. Me mostravam roupas, cores de lustres rebatendo as estrelas de seus watts com cristais brutos de rocha, globos terrestres, peças em cartaz (como comprar atores, né? mas eles vendem!), DVD's a dez reais, um deles já tão batata de conteúdo que pelo aspecto da bolacha se via o final feliz. E é evidente que daí surgiram pistas essenciais para a abordagem truculenta e sem trégua do Império do Óleo. Vocês vêem? Suas respostas me ajudam em outro caso. Muito obrigada.
12/04/2006
do mar, ao mar
meus despojos
o que sobrou,
no mar
é o festim
dos peixes
recifes e das algas
a carne aos farrapos
fiapos
partículas
do meu espírito
brilham ao sol
são gotas,
agora
inteiro
de sal
inteiro
e em fragmentos
de volta
ao lar.
12/03/2006
Depois do café
Café
E o Café, ah o Café, uma lata de cerveja brilha entre as flores quase mortas, o vento vem vindo vem vindo e cai como um cachorro vadio, um anjo invisível de olhos vermelhos usa um relógio cravejado de dentes, as pessoas se envolvem em teias, apertam as mãos, balançam as pernas, riem, perdem o controle, retomam a estabilidade, dominam a situação, desfazem-se como um emaranhado delicado de raízes, ponha aí: raízes de um abacateiro rompendo o asfalto, por baixo da terra estabelecendo liames ora profundos, ora superficiais, mas sempre ambíguos, indecifráveis como um olhar, um gesto, como uma expectativa, como uma dor trazida de casa, de muito longe, uma dor invisível aos outros, como um sorriso, um resto de calor impreciso, uma alegria que também não apresenta seus motivos.
No Café, as pessoas nunca falam sobre o que estão falando, elas atravessam as palavras como um túnel, como um míssil em câmera lenta rumo ao adversário, mas sobretudo como flores minúsculas, imperceptíveis, trocadas à revelia do rosto amarelo no muro amarelo, flores que sempre se dissipam quando são tocadas, não adianta, nossas mãos são rudes, mesmo quando tecem flores que se desintegram, como o Café que estava abarrotado de gente, e agora está vazio
Agora sim, depois de atravessar este matagal, este arabesco, seja sincero, se não consigo mesmo, que o seja com alguém: você pode vestir a roupa ao avesso, pode morder o chão, pode beber de uma vez o café intragável e bem quente para ver se seus olhos ainda lacrimejam, pode falar de um amor impossível, pode misturar tudo o que leu e não leu, pode jurar de pé junto que não é maluco, só uma coisa você não pode negar, mesmo depois dessa prosa sem nexo, encare
Tudo é banal.
Moby Dick
12/01/2006
Aproximação a Numbers de Creeley 4
Somos sete, ressoa dentro
da cabeça como pesadelo de
responsabilidade – sete
dias na semana, sete
anos para a sarna
do envolvimento irreversível.
*
Olha
a
luz
desta
hora.
*
Eu nasci às sete
da matina e meu
pai tinha um monumento
de pedra, pedestal na
porta de entrada
do hospital de que ele era
o cabeça.
*
Às seis
às sete – a caneta
perdida, o papel:
embriaguez
de noite morta. Por que
a morte de algo tão
próximo a este
número é total.
Tudo não
passa de um
único número?
contar,
sempre e novamente.
*
Aqui jaz o número sete.
Oito
Dizer “oito” –
paciência.
Dois quatros
indicam o método.
*
Este número, nenhum outro,
demarca o ciclo –
intervalo de oito anos –
pois tal confluência
faz a lua cheia brilhar
no mais longo
ou mais curto
dia do ano.
*
A seca está quase no fim.
O mês é agosto –
este intervalo.
*
Ela tem
oito anos
segura o gatinho
e olha pra mim.
*
Onde você está.
A mesa.
A cadeira.
*
Traços luminosos demarcam o intervalo.
Oito faz o tempo passar em silêncio.
*
Não tem volta –
apesar da metade
ser quatro
e a metade,
dois.
*
Oct-
agon-
a-
l.