12/28/2006

Rei Vadio


O poeta há anos sem cantar. A ausência de sua voz única, modal, deixava um ar de nostalgia no casebre. Seu dedilhar ao violão, segundo Tinhorão “estrambótico” (de fato ele puxava as cordas fazendo-as vibrar como palhaços vestidos de negro cantando num circo incolor sob a luz negra de um destino cruel). Ou alguém que dominasse o segredo mais puro do vinho:
Em Brasília anos atrás dois amigos bêbados, um mais frágil mal conseguindo andar, o outro se arrastando e arrastando o outro para casa. Dois idiotas, dois bufões para as famílias de funcionários e os afamados boyzinhos da cidade. Dois náufragos, dois albatrozes para os corações românticos. Dois signos da revolução que nunca veio para os perdidos em barricadas.
O silêncio do poeta sempre foi uma forma de presença, como aquela do girassol se girassóis falassem. E naquele tempo as coisas não tinham parado, as coisas rolavam como aquela sinfonia de aparelhos de rádio distribuídos ao acaso – mas com partitura. Como as pedras que rolam na rua sem um cantinho de seu (Lupicínio Jagger, mais ou menos isso) pra poder des en cantar. Não era o fim do mundo. Mas era uma beleza a menos (ou duas, ou três, ou mais, dependendo do tempo).
Até que um dia, diante dos 5 companheiros o poeta começou a soltar a voz pra dentro, depois mais alto, uma música inédita sobre alguém que pisava em folhas secas & um daqueles paradoxos de sua comunidade, pois era um canto sobre quando ele não mais cantasse ou alguma coisa do tipo: garanto que não beberei nunca mais. Amigos viram que, no estado em que estava, o poeta se esqueceria amanhã do que tinha feito. Anotaram e no dia seguinte mostraram a ele a nova canção.
O mundo tem dessas coisas.

Um comentário:

Aldemar Norek disse...

gostei do filme, Daniel.
E pra me alinhar na reverência ao Mestre, vou postar aí acima um que fiz em 2005 com uma sampleada do N.C. Talvez vá tomar umas geladas, em oração.