Sinceramente não quero fazer da poesia, em torno da
poesia um cavalo de batalha, tantas gerações
de mortos se sucederam, antes desta e de outras que virão e o primeiro assassino
da poesia foi o antigo mitógrafo ao demonstrar às musas sua condição
de figura de linguagem e a morte da poesia é como a morte
das pessoas – algo que se repete.
Mas é que em Brasília alguma coisa faz as paredes falarem, não sei
se é a artificialidade
do lago que cria essa mescla de nostalgia e insólito
ou se a imensa múmia do faraó em que habitamos
como vermes petrificados respira pelo concreto. Alguma coisa
dá socos nas paredes
arrasta móveis para nos deixar insones e sempre que alguém
aproxima o ouvido das paredes de sua morada se ouve
nitidamente, gritos surdos, saídos não se sabe de que garganta.
Todos conhecem o centro monumental
de Brasília – mas, seus centros fugidios são outros:
a poltrona em que estava sentado Rawet morto
um livro e um pacote de sopa knorr no colo
o porão úmido onde foram parar os livros do homem que fundiu os horizontes,
único filósofo da cidade do sol parteiro de verdades, do invisível mar sem fim
no horizonte do cerrado plano e liso visto ao longe, mas cheio de detalhes, de
flores, pétalas finas, agudas e coloridas como gritos grudados
nas paredes quentes: paredes de palácios, de garagens, de ministérios
de apartamentos solitários – na cidade silenciosa, mas nunca muda.
Quando você é vulgar: apenas negocia convenções, não domina os segredos, qualquer um pode dizer que árvore é o nome de uma cidade, que cidade é o nome de uma arma, que arma é um sentimento, que sentimento é o nome de um faraó. A língua epistolar é a conversa vulgar no desentendimento, mesmo que este ocasione encontros repentinos e imprevistos. É quando uma criança autista diz pra você: se o mundo gira, porque você não fica tonto?
7/27/2012
7/21/2012
Um sax para a lua
Em sonhos, ele aquece minhas costas
Com seu quadril de fogo.
Contra a parede,
Me empurra e me puxa:
Cadência e milhares de mãos.
Entre as pernas,
Sou puro ai.
Adocicada,
Esgarço em suspiros mornos,
Escorro pelas paredes,
Gemo
Pelos vãos
Do piso de jacarandá.
Mas,
Ele se vai com o abrir dos olhos.
Quase.
Quase.
Foi quase.
7/11/2012
Saturno na esplanada
As baixas luzes amarelas, sua pele de cobre, as sombras retorcidas, música de toda parte se misturando sem criar um repouso nas pegadas marcadas, fundas, no concreto da calçada –
até se pode pensar que tudo parece um sonho, mas
não é sonho. Você pode surtar a qualquer momento. E quando você morrer e quando todos morrerem o jogo cósmico das imensas esferas incandescentes das ondas sonoras no colorido dos planetas vai continuar, indiferente.
2.
Brilhos de estrelas caem sobre nós como migalhas de pão varridas de uma mesa desabitada soprada pelo vento insciente.
Menos.
O universo prescinde de testemunhas.
3.
Veja (a palavra) estrelas – a palavra não é visível.
Estamos em pleno oceano tentando buscar alimentos com uma rede invisível (imaginária).
4.
Tanto faz se é boson de higgs ou partícula de deus. Persiste a hybris de que nós com nossa tosca linguagem podemos e devemos dar nome às coisas.
5.
Amoras esmagadas na calçada. Ela diz que o tempo não perdoa. Minha voz sustenta um canto soprado pela força emanada de algum planeta. Mas ele, por sua vez, sustenta-se em nada. Nada disso foi planejado. Como agora mesmo, do nada, veio a expressão: furiosamente lento.
As palavras, porém, nem sequer tocam a superfície de gelo e gás que se move na distância incalculável.
6.
Colha Saturno, com os olhos. Cole o planeta numa superfície apreensível pela vista. Bege em meio ao espaço negro. Dois pontos brilhantes. Um belo acidente captado à distância. A fome cega dos anéis em quem coleciona experiências.
O planeta não me deixa esquecer mais nada. Mas ele mesmo não se lembra nem se esquece de nada.
até se pode pensar que tudo parece um sonho, mas
não é sonho. Você pode surtar a qualquer momento. E quando você morrer e quando todos morrerem o jogo cósmico das imensas esferas incandescentes das ondas sonoras no colorido dos planetas vai continuar, indiferente.
2.
Brilhos de estrelas caem sobre nós como migalhas de pão varridas de uma mesa desabitada soprada pelo vento insciente.
Menos.
O universo prescinde de testemunhas.
3.
Veja (a palavra) estrelas – a palavra não é visível.
Estamos em pleno oceano tentando buscar alimentos com uma rede invisível (imaginária).
4.
Tanto faz se é boson de higgs ou partícula de deus. Persiste a hybris de que nós com nossa tosca linguagem podemos e devemos dar nome às coisas.
5.
Amoras esmagadas na calçada. Ela diz que o tempo não perdoa. Minha voz sustenta um canto soprado pela força emanada de algum planeta. Mas ele, por sua vez, sustenta-se em nada. Nada disso foi planejado. Como agora mesmo, do nada, veio a expressão: furiosamente lento.
As palavras, porém, nem sequer tocam a superfície de gelo e gás que se move na distância incalculável.
6.
Colha Saturno, com os olhos. Cole o planeta numa superfície apreensível pela vista. Bege em meio ao espaço negro. Dois pontos brilhantes. Um belo acidente captado à distância. A fome cega dos anéis em quem coleciona experiências.
O planeta não me deixa esquecer mais nada. Mas ele mesmo não se lembra nem se esquece de nada.
7/01/2012
A máquina de fazer sumiço. Ou, nem tanto hermético assim
1.
Não há no que acreditar
nem motivo, a vida é o que separa
pisa-se um degrau enquanto o outro pé
fica no ar: nos movemos
como uma máquina
que respira e circula
vento.
Trata-se de raspar a pele por dentro
cavar a carne com as pás tortas
de um ventilador
hermeticamente vedado
até a possível transparência
emergir do desgaste do corpo.
2.
Ele olha pro chão e esquece e olha pro chão e esquece: a situação humilhante, o motivo da tristeza é incerto, ele apenas nasceu assim, estranho aos seus olhos – como um cata-vento
jogado no chão, você não entende, acredita que a dor real precisa de uma retórica consolidada, ninguém pode ser tão
cabeça de vento. Ele apenas nasceu assim, desconhece o roteiro entre dor e lágrimas. Ele sabe rir –
mas ninguém entende suas piadas.
3.
Ela caminha arrastando-me os pés: suas longas e afiadíssimas garras arranham, arrancam minha carne de terra do chão em que ela pisa: o mundo sangra nos pés: ela diz que nada fez: é o seu natural: fazer passar e ferir. Suas unhas côncavas como pás fazem a ferida render mais: adia-se a cicatrização, dura o machucado como pedra. Surpreendo-me suturando minhas pernas. Sem anestesia: essa é a tarefa que a terra, pálida, herdou de mim.
4.
Os coqueiros são ventiladores
Seus braços girando – ventiladores
Ventila, ventila
A solidão, ventilam
Idéias, lâminas frias
Sobre o pensamento.
Como são atraentes as máquinas que engendram sinais.
5.
Me falta malícia para ventilar convictamente as tuas óbvias mentiras.
6.
Em algum canto
do tempo
alguém guarda:
a máquina de fazer nuvens;
o interruptor de luz solar;
a lua disfarçada de moeda
sem valor de moeda
as cores das penas de um passarinho
fugitivo
que me contou, sem cantar
que quando alguém gira os braços
sabe-se lá o quê
depois do depois do mar,
sente um toque suave,
suave como se a vida fosse mesmo um sopro
de um deus ex-machina
que gira, sem nome,
com suas hélices
por dentro da alma do ar
cavando, por dentro de si
o sonho comum
da fraternidade hermética.
- que a alma é ar, ar
que a si mesmo respira:
e poesia – poesia
é pra ventilar.
6/19/2012
Roubando Foucault
Figuras adjacentes, frágeis, um pouco monstruosas em que o
desdobramento se assinala,
(sou o autor: observem meu rosto ou meu perfil; é a isto que
deverão assemelhar-se todas essas figuras duplicadas que vão circular com meu
nome)
que falam sem parar tudo aquilo que pôde ser dito para calar
o murmúrio da morte,
(sou o monarca das coisas que disse e mantenho sobre elas
uma soberania eminente: a de minha intenção e do sentido que lhes quis
atribuir)
que são pura contestação,
(suprimamos o antigo prefácio)
linha simples, contínua, monótona de uma linguagem entregue
a si mesma,
(mas você acaba de fazer um prefácio)
abrindo incessantemente um espaço onde ela é sempre o
análogo de si mesma,
(pelo menos é curto)
um murmúrio entre tantos outros – após todos os outros,
antes de todos os outros.
As forças da natureza
Não seguem uma linha reta
São turbilhões encalacrados
Em manequins de shopping center.
Vou à praia dos orixás
Bebo uma Baikal como oferenda.
Depois no sopão 24 horas
Escuto a história do feto jogado na privada
Girando e girando, antes de descer pela descarga.
Ouvido cheio de ranhuras
Palavras
Pequenas são bloqueios
Crivados de patas de inseto
Que arranham migalhas de imaginação.
O horizonte é muito curto
Me sinto bombardeado por pequenas variações
De asfixia.
A vida não deve ser nada
Além de uma fome nauseante por frutas podres.
A janela está coberta de nervuras:
A luz avermelhada sobre a praça
E a velocidade de redemoinho implícito
Na futilidade do coração do tempo
São as coisas que me conduzem
À sublimação.
Não seguem uma linha reta
São turbilhões encalacrados
Em manequins de shopping center.
Vou à praia dos orixás
Bebo uma Baikal como oferenda.
Depois no sopão 24 horas
Escuto a história do feto jogado na privada
Girando e girando, antes de descer pela descarga.
Ouvido cheio de ranhuras
Palavras
Pequenas são bloqueios
Crivados de patas de inseto
Que arranham migalhas de imaginação.
O horizonte é muito curto
Me sinto bombardeado por pequenas variações
De asfixia.
A vida não deve ser nada
Além de uma fome nauseante por frutas podres.
A janela está coberta de nervuras:
A luz avermelhada sobre a praça
E a velocidade de redemoinho implícito
Na futilidade do coração do tempo
São as coisas que me conduzem
À sublimação.
6/13/2012
Anotações de viagem, Cavalcante
Anotações de viagem, Cavalcante
1. A luz bate na água asas frias de pássaros súbitos na superfície fina. Contra o rumor do remoer constante da água nas pedras e das águas se revolvendo sobre si mesmas, a voz das pessoas emerge. O som é um fluxo incoerente e contínuo de onde brotam as vozes amigas, amadas, que logo mergulham no mesmo vazio rumoroso.
2. Água e luz dançam: pulsação de asas na superfície do erro. Brilhar e mergulhar.
3. O rio, que flui sobre si mesmo suavemente abriga peixes e pedras ao sol onde insetos repousam: pratica caridade?
4. O rio, com suas águas amarelotransparente amoladoras de pedras pontiagudas, o rio cheio de dentes afiados em seu leito que friamente aperta o seu coração, contrai seus músculos e comprime os pulmões: está contra você?
1. A luz bate na água asas frias de pássaros súbitos na superfície fina. Contra o rumor do remoer constante da água nas pedras e das águas se revolvendo sobre si mesmas, a voz das pessoas emerge. O som é um fluxo incoerente e contínuo de onde brotam as vozes amigas, amadas, que logo mergulham no mesmo vazio rumoroso.
2. Água e luz dançam: pulsação de asas na superfície do erro. Brilhar e mergulhar.
3. O rio, que flui sobre si mesmo suavemente abriga peixes e pedras ao sol onde insetos repousam: pratica caridade?
4. O rio, com suas águas amarelotransparente amoladoras de pedras pontiagudas, o rio cheio de dentes afiados em seu leito que friamente aperta o seu coração, contrai seus músculos e comprime os pulmões: está contra você?
6/11/2012
negrete
Foto de www.folhapaulistana.com.br
seus pés desenharam na calçada
áspera as paredes do Grande Hotel
Abismo: você é o hóspede e seus pés não têm
pra onde ir agora que o desejo
foi jogado pra fora de vez pela entrada
por ordem da gerência do Grande Hotel
Labirinto quando sonhos passavam
pelas janelas e você planejava
uma fuga se agarrando a eles [tantos]
que flutuavam diante do Grande Hotel
Desesperança até que você percebeu
que não pode se agarrar a sonhos porque
sonhos não tem corpo nem se importam
com você sentado no chão do Grande Hotel
Demência incendiando pedras brancas
no fundo de uma lata velha até pintar
de púrpura e dourado a noite que mora
dentro de seu pensamento com uma fumaça
bêbada agora que você perdeu
pra sempre o caminho do elevador
que levaria ao topo do Grande Hotel
Derrota onde os sinos dobrariam
por ninguém quando você medisse
a sensação do salto como a única rota
pra sair desse quadrado estreito dessas
paredes espessas como o ar da noite
quando faz voar jornais de ontem
com as notícias de sempre forrando
o pavimento neutro do Grande Hotel
Esquecimento onde não sai ninguém
por uma porta pra lhe dizer: “você
está fora, cara.”
6/08/2012
Fatos, como eu ia dizendo
Fatos se opõem ao sol que se põe, estão ali, desnudos como a mais neutra das evidências, são nervuras de uma parede que não pode jamais ser atravessada, toda palavra é estranhamente volátil diante dos fatos inclusive esta
fato, que poder de sedução na obviedade incontida do real que dispensa sentido e verdade, na brutalidade crua daquilo que atravessa os ouvidos e não precisa de grito, arranha os olhos e ignora a luz: nada como a crueza
de um fato, um pedaço de carne sangrando, um arame fisgando tua boca e te puxando pro céu, uma força irresistível dos argumentos que se movem ao redor de fatos que por si movem em si cada um por si ah quanta inteireza e verdade superverdadeira naquilo que simplesmente observamos
ou gostaríamos de anotar com supra-olhos mentais, a imaginação que é tão carnal quanto a vida, um sopro, o ar que anima nossos sonhos, as vozes alheias que brotam das paredes, o sutil sabor de doce implícito no amargo, as certezas mais simples da vida, quando um homem sensato se depara com os fatos e o fato é o que foi
feito e o que foi feito pode ser mentido e desmentido figurado e desfigurado mas não pode ser desfeito, o que foi feito é fato e aí está só
não sei porque tantas palavras, talvez elas faltem ou sobrem quando o assunto gira em torno de fatos ou sei lá talvez fatos precisem de bocas (metaforicamente falando) e olhando bem um fato é um verbo disfarçado
de substantivo, enfim acabei perdendo o fio
da meada.
fato, que poder de sedução na obviedade incontida do real que dispensa sentido e verdade, na brutalidade crua daquilo que atravessa os ouvidos e não precisa de grito, arranha os olhos e ignora a luz: nada como a crueza
de um fato, um pedaço de carne sangrando, um arame fisgando tua boca e te puxando pro céu, uma força irresistível dos argumentos que se movem ao redor de fatos que por si movem em si cada um por si ah quanta inteireza e verdade superverdadeira naquilo que simplesmente observamos
ou gostaríamos de anotar com supra-olhos mentais, a imaginação que é tão carnal quanto a vida, um sopro, o ar que anima nossos sonhos, as vozes alheias que brotam das paredes, o sutil sabor de doce implícito no amargo, as certezas mais simples da vida, quando um homem sensato se depara com os fatos e o fato é o que foi
feito e o que foi feito pode ser mentido e desmentido figurado e desfigurado mas não pode ser desfeito, o que foi feito é fato e aí está só
não sei porque tantas palavras, talvez elas faltem ou sobrem quando o assunto gira em torno de fatos ou sei lá talvez fatos precisem de bocas (metaforicamente falando) e olhando bem um fato é um verbo disfarçado
de substantivo, enfim acabei perdendo o fio
da meada.
6/02/2012
A máquina de influir
Estamos todos conectados à realidade
do meu pesadelo enquanto alguém digita depois de ele ter pensado nos meandros da máquina de influir
neste exato momento em que digito neste instante em que antevejo a letra cobrindo de negro o brilho branco da tela até mesmo antes a pregnância da idéia, do pensamento que é um vácuo formal à espera da substância das palavras e todos os processos gerações e gerações de rodas dentadas em tudo isso vê-se a mão delE
no momento do xeque-mate havia um homem oculto sob o robô – o capeta tem um rabo tão comprido quanto as rodas de um monociclo – as lentes do pensamento – o rastejar da lesma sobre o muro, o risco – a alma que é um devaneio de alguém – o teu nome
é como aquela cenoura presa à testa do asno – baixa a bola – cai na real – não me lembro
quem foi que disse isso e quem foi
que disse isso e isso também
que acabei de dizer quem foi?
do meu pesadelo enquanto alguém digita depois de ele ter pensado nos meandros da máquina de influir
neste exato momento em que digito neste instante em que antevejo a letra cobrindo de negro o brilho branco da tela até mesmo antes a pregnância da idéia, do pensamento que é um vácuo formal à espera da substância das palavras e todos os processos gerações e gerações de rodas dentadas em tudo isso vê-se a mão delE
no momento do xeque-mate havia um homem oculto sob o robô – o capeta tem um rabo tão comprido quanto as rodas de um monociclo – as lentes do pensamento – o rastejar da lesma sobre o muro, o risco – a alma que é um devaneio de alguém – o teu nome
é como aquela cenoura presa à testa do asno – baixa a bola – cai na real – não me lembro
quem foi que disse isso e quem foi
que disse isso e isso também
que acabei de dizer quem foi?
5/30/2012
Nãoãoãoãoão com eco
Não quero rir das suas piadas por educação. Tem uma coisa na mente que preciso destravar, um vínculo estranho com a sociedade de massas e a suspensão do calendário e as calêndulas nas máscaras do consumismo e não me interessa que na hora H você apele à polícia ou ao Magnífico Reitor, não há caminho reto quando o que resta de fogo está nas lâminas da palavra não e como me aferro
ao meu direito de dizer não, é o direito de um sujeito acuado, é o direito de um sujeito que dá de cara no muro, não é o sim do símbolo dos teus sonhos, mas é meu pequeno território de nada no eixo do vazio êmbolo em que proclamo a absoluta nulidade de todas as tuas afirmações
oito-olhos. E sigo no meu não, que seus cães tutelados venham ao meu encalço mande um carteiro com uma correspondência registrada e um revolver a tiracolo, ainda sim vai sair da garganta meio apodrecida de um sujeito que queima à luz do anonimato um renego como madeira velha em que o vinho adormeceu por muitos anos, o não como um grito
existe algo de afirmativo nesse não, como existe algo de fogo no vinho e como tudo de humano emerge apenas como ferrugem em tuas facas afiadas, não é?
é um não estranho não é mesmo, não é qualquer não, é um não que parece se chocar, entrar em choque, criar um desalinho, fazer do mundo um colorido todo especial, quantas nuances na última corrida da cadela Baleia enchendo a pança de preás
inexistentes, quanto vigor naquela corrida – o não coloca o mundo em suspenso vem de onde pode brotar qualquer sonho e todo delírio é permitido e no mínimo estamos dizendo que o mundo não é o que está aí, flutuando a favor das correntes,
você pode até me puxar pelo braço, mas como vai segurar o meu não inexistente? É melhor o Sr se acostumar, oito-olhos, outros já tentaram
de tudo, de hipnose a coerção, de valores morais à verdade da maioria, de chicotes à sangria desatada a lágrimas nos olhos a ofertas irrecusáveis, multidões marchando em palácios esportivos, todo tipo de ginástica
conceitual, todo tipo de bandeira, brandura e ameaça, mas parece que não
existe algo de incorrigível em nossa condição ou o incorrigível é nosso último refúgio, com uma
labareda, ao centro: queimando-se ao contrário, produzindo ar.
ao meu direito de dizer não, é o direito de um sujeito acuado, é o direito de um sujeito que dá de cara no muro, não é o sim do símbolo dos teus sonhos, mas é meu pequeno território de nada no eixo do vazio êmbolo em que proclamo a absoluta nulidade de todas as tuas afirmações
oito-olhos. E sigo no meu não, que seus cães tutelados venham ao meu encalço mande um carteiro com uma correspondência registrada e um revolver a tiracolo, ainda sim vai sair da garganta meio apodrecida de um sujeito que queima à luz do anonimato um renego como madeira velha em que o vinho adormeceu por muitos anos, o não como um grito
existe algo de afirmativo nesse não, como existe algo de fogo no vinho e como tudo de humano emerge apenas como ferrugem em tuas facas afiadas, não é?
é um não estranho não é mesmo, não é qualquer não, é um não que parece se chocar, entrar em choque, criar um desalinho, fazer do mundo um colorido todo especial, quantas nuances na última corrida da cadela Baleia enchendo a pança de preás
inexistentes, quanto vigor naquela corrida – o não coloca o mundo em suspenso vem de onde pode brotar qualquer sonho e todo delírio é permitido e no mínimo estamos dizendo que o mundo não é o que está aí, flutuando a favor das correntes,
você pode até me puxar pelo braço, mas como vai segurar o meu não inexistente? É melhor o Sr se acostumar, oito-olhos, outros já tentaram
de tudo, de hipnose a coerção, de valores morais à verdade da maioria, de chicotes à sangria desatada a lágrimas nos olhos a ofertas irrecusáveis, multidões marchando em palácios esportivos, todo tipo de ginástica
conceitual, todo tipo de bandeira, brandura e ameaça, mas parece que não
existe algo de incorrigível em nossa condição ou o incorrigível é nosso último refúgio, com uma
labareda, ao centro: queimando-se ao contrário, produzindo ar.
5/25/2012
Tudo é tão simples
1.
Tudo é tão simples quanto ter nascido como quem é lançado sem proteção contra a violência solar e tem a pele irremediavelmente queimada e sensível ao mínimo toque quanto ter nas mãos uma sentença de morte contra todo aquele a quem se toca quanto realizar hipnoses alheias quando o único toque entre você é o mundo é a sua respiração que emana do inconsciente da vida, a crueza primordial da luz e seus cortes da respiração e seus influxos mágicos, um amuleto de carne e sangue nas mãos de um deus que sente e pensa como quem dorme, um deus cujo templo único é o invisível impulso de tudo: tudo é tão simples quanto a vida ser a alegoria escrita sob os mandamentos de um transtorno obsessivo compulsivo – quando um anjo cai e se levanta cai e se levanta
e
2.
Quando eu estava no presídio, meu vizinho de cela colecionava livros sobre budismo e estatuetas de Siddhartha. Ele só tinha dois dentes, mas tinha vários objetos raros e longínquos. Sua conversa não era permeada de sagrado, pelo contrário, ele só dizia o óbvio. Isso tudo era inverossímil e deve assim parecer ao leitor.
Criamos um território imaginário denominado de possível: contudo, o impossível atravessa os poros do muro como um fluxo invisível e insidioso.
3.
Estávamos sentados num canto da sala. Usávamos um cobertor laranja. As pessoas pensavam que era por causa do frio.
Minhas mãos são cheias de linhas do destino, como se tudo fosse embaralhado. Uma leve sucção puxava a ponta dos meus dedos. Não existe nada mais macio e nenhum lugar mais apropriado. Queria usar esse molhado para deixar minhas impressões digitais, quando o Estado me reclamasse.
“Se você quiser mais, estou te esperando lá fora”.
5/22/2012
desvio para o vermelho, 5
Alice olha
sua alma indo pelo ralo como água suja
Atravessa
a sala na
diagonal sonhando com os cacos de uma consciência
estilhaçada
iluminando a aproximação do nada O acontecimento
perde-se pra
sempre enquanto Alice ingere 1% de veneno
em cada
palavra do poema infinito que recita enquanto olha
sua alma
indo pelo ralo como água suja e
atravessa a sala
na diagonal
fazendo da repetição o seu discurso particular
do método
infinitesimal pra se reconhecer na vida olhando
a alma indo
pelo ralo como água suja ao som do sangue
em câmara
lenta pelas veias na vertigem de uma dança
benzodiazepínica
regada a álcool e silêncio no caleidoscópio
estilo pole dancing do seu inferninho tosco
recitando um credo
incompreensível
e em tempo real atravessando o quarto
na diagonal pensando
na repetição como talvez o último
recurso que se
pode às vezes lançar mão pra segurar a alma indo
pelo ralo
como água suja enquanto atravessa a sala na diagonal
fazendo da
repetição a arma cuja munição são cacos de uma
consciência
vilipendiada A violência sempre há de chegar com toques
de
delicadeza e Alice se equilibra sobre o arame que atravessa
a sala na
diagonal olhando sua alma indo pelo ralo como água
indo ao cume do arame sobre o picadeiro e uma plateia de tacos
gritando ‘pula’ mesmo enxergando a inimaginável
altura
de seus
sonhos e a rede inconsistente Alice olha sua alma indo
pelo ralo
como água brusca e quer saltar quer se soltar mas
prende-se ao
arame que é uma diagonal marcada no vazio
cuidadosamente
entre os abismos de todas as frestas
que são
leitos onde o corpo já não sente mais as sombras
que dissolvem
a luz nesse presente assim sem espessura
enquanto
Alice adiciona 1 grama do princípio ativo em cada palavra
do poema
indo pelo ralo pelo sangue adentro pelas veias
pra
inscrever no corpo uma camada ácida uma charada falsa
uma verdade
brusca antes do salto mas Alice espreme
em suas mãos
a massa informe de um presente espesso
e sente
entre seus dedos uma gosma fina que lhe escorre
e escapa
carregando o último sentido como escapa a alma indo
pelo ralo
como água suja saturada de veneno e espanto
5/19/2012
Língua Epistolar
Procurando um texto meu por outros motivos, me lembrei do texto completo que sugeriu
o nome do blog:
Quando você era um deus: gestos, atitudes, o modo de andar e de olhar, indicavam as coisas em sua presença. Você não falava, não era necessário, pois tinha o dom da imortalidade das bestas-feras. Vivia sob o espanto constante das tempestades em cavernas e achava que todas as coisas estavam cheias de deuses.
Quando você era um herói: gigante brotado como semente da terra, guardava para si (excluindo disso as bestas-feras animalizadas no arado com os olhos voltados para o chão) o segredo das similitudes. Falava de um escudo com desenhos de cidades, pessoas e animais, navios e guerreiros, rios, desertos e oceanos, quando queria descrever sua cidade repleta de pessoas, animais, navios e guerreiros.
Quando você é vulgar: apenas negocia convenções, não domina os segredos, qualquer um pode dizer que árvore é o nome de uma cidade, que cidade é o nome de uma arma, que arma é um sentimento, que sentimento é o nome de um faraó. A língua epistolar é a conversa vulgar no desentendimento, mesmo que este ocasione encontros repentinos e imprevistos. É quando uma criança autista diz pra você: se o mundo gira, porque você não fica tonto?
o nome do blog:
Quando você era um deus: gestos, atitudes, o modo de andar e de olhar, indicavam as coisas em sua presença. Você não falava, não era necessário, pois tinha o dom da imortalidade das bestas-feras. Vivia sob o espanto constante das tempestades em cavernas e achava que todas as coisas estavam cheias de deuses.
Quando você era um herói: gigante brotado como semente da terra, guardava para si (excluindo disso as bestas-feras animalizadas no arado com os olhos voltados para o chão) o segredo das similitudes. Falava de um escudo com desenhos de cidades, pessoas e animais, navios e guerreiros, rios, desertos e oceanos, quando queria descrever sua cidade repleta de pessoas, animais, navios e guerreiros.
Quando você é vulgar: apenas negocia convenções, não domina os segredos, qualquer um pode dizer que árvore é o nome de uma cidade, que cidade é o nome de uma arma, que arma é um sentimento, que sentimento é o nome de um faraó. A língua epistolar é a conversa vulgar no desentendimento, mesmo que este ocasione encontros repentinos e imprevistos. É quando uma criança autista diz pra você: se o mundo gira, porque você não fica tonto?
5/18/2012
Bergsoniana
*para ler ouvindo Lips Drawing, disponível na página: http://jennyhval.com/music/other-projects/old-stuff
Dizem das possibilidades
Dizem das possibilidades
o previsível risco na areia
antes do mar.
Meus possíveis abraçam o ar
dançam indóceis, plasmados em cores
e luzes e ventos - perfumes
e mãos
que tocam meus dentros
e rompem
estômago/útero
entranhas.
Um jorro - é você entre as vozes -
encantamento que dura e transforma o tempo
espiral de fumaça, sinal
que só nós entendemos.
Um dia, talvez,
ou nunca (é possível)
descobriremos o som
que fazemos no amor.
Um dia, talvez, ouvirei sua voz declamar
o mais longo (e louco) poema.
Um dia (talvez).
5/14/2012
Её лобовое стекло видно из моих очков
Ela festeja tanto quanto tem lazer,
Ou seja, nunca!
Quem escapa vira meu prisioneiro,
Fala de como estamos começados.
Ela me segue sob custódia,
Ou seja, à noite
Ela brilha no fundo desta pupila
Que a terra prometida
Aquela mensagem no seu cheiro
De quem não te conhece:
Os que estavam aqui
Antes dos outros e seus olhos.
Ou seja, nunca!
Quem escapa vira meu prisioneiro,
Fala de como estamos começados.
Ela me segue sob custódia,
Ou seja, à noite
quando a chuva cai com suas luvas de cera
lentes borrifadas palestram sobre
a luz de mil planetas
Ela brilha no fundo desta pupila
Que a terra prometida
(onde todos têm a voz do Chico Anysio
quando os imita)
Há de comer e sentir gosto de comida.
dirige na chuva, o sangue do clima
um de nós celebra o Gomes
que, fora do carro, não estava nem aí
De quem não te conhece:
Os que estavam aqui
Antes dos outros e seus olhos.
5/13/2012
5/09/2012
É possível sair do mundo por meio das palavras, me abandonar no seu fluxo ininterrupto até que elas me levem além, tatuar-me de palavras até que a pele se torne tão leve; será que o espírito responde como um sopro das palavras, elas teriam esse poder, seriam organismos, forças
adormecidas, será que as palavras incitam sonhos e sonhos são movimentos reais para fora, uma saída, em infinito desenrolar-se da alma, respirar palavras, mover a mente em sutil moto-contínuo, serão as palavras um suficiente contra veneno, alguma coisa em que posso me recriar, me curar, ascender, descobrir,
inventar uma momentânea e ínfima redenção; será que as palavras impedirão que eu fique louco quando sopradas, jogadas contra o vento, contra os muros do mundo, contra outras palavras que aprisionam, palavras de corredor, palavras de arame farpado forjado por séculos e séculos; será que algo nas palavras algum dia vai dar em qualquer tipo de milagre, qualquer um não importando
que vocês entendam, testemunhem, acreditem, aceitem, teçam considerações, mensurem, avaliem a pertinência ou a atualidade, se há ou não experimentalismo ou estética, porque esse seria meu segredo, meu e delas e só quem respirasse com palavras pode saber o que se passa em idiotas que apenas gostariam de renascer como outra coisa qualquer,
asas;
será?
adormecidas, será que as palavras incitam sonhos e sonhos são movimentos reais para fora, uma saída, em infinito desenrolar-se da alma, respirar palavras, mover a mente em sutil moto-contínuo, serão as palavras um suficiente contra veneno, alguma coisa em que posso me recriar, me curar, ascender, descobrir,
inventar uma momentânea e ínfima redenção; será que as palavras impedirão que eu fique louco quando sopradas, jogadas contra o vento, contra os muros do mundo, contra outras palavras que aprisionam, palavras de corredor, palavras de arame farpado forjado por séculos e séculos; será que algo nas palavras algum dia vai dar em qualquer tipo de milagre, qualquer um não importando
que vocês entendam, testemunhem, acreditem, aceitem, teçam considerações, mensurem, avaliem a pertinência ou a atualidade, se há ou não experimentalismo ou estética, porque esse seria meu segredo, meu e delas e só quem respirasse com palavras pode saber o que se passa em idiotas que apenas gostariam de renascer como outra coisa qualquer,
asas;
será?
5/05/2012
Emergir do lodo mergulhando ao alto rumo a toda possível transparência, como a mente transpira, cabeça pendida apoiada nos reflexos das luzes que acompanham os olhos depois de fechados, depois de longamente observar as sombras da tarde, a vida se acumula sobre a pele que assim fica grudenta, pegajosa, como é pesado se levantar (ela sentada sozinha olhando pra varanda por horas a fio) queria levitar na direção das minhas pálpebras e assim reconquistar a leveza da mente que sabe evaporar, questão de treino, a imaginação pode ser ar soprado de dentro pra fora da cabeça, noite passada um demônio me segurava tentando me impedir de pegar a cruz de madeira pendurada na parede, então ateus também não têm direito de benzer os demônios que tentam nos manter grudados nos móveis do apartamento, o sangue dos demônios é feito de lágrima.
Mãe quero colher suas lágrimas e fazê-las evaporar como os demônios inexistentes que atormentam nossos pesadelos reais evaporam com a leveza de olhos abertos para a luz oblíqua de um dia que nasce. Como é pesada a realidade, quero cobrir o mundo com um véu transparente que não produza ilusões mas faça tudo voar, voar com a mente acesa, um incenso de perfume e perdão.
Nada de recomeçar, apenas esquecer.
5/03/2012
Trevosa (no fim do mundo)
(1) A (doravante assim chamada por codinome) Trevosa é ateia. Isso a aproxima de mim, que não respeito o sentimento alheio e vejo em todo relacionamento, como nas pessoas, a marca de sua morte. (2) Traz a lembrança dela sentimento misturado, uma imprecisão. Um aroma acre. De um lado, sei que ela não me entende. E nem faz força pra fingir querer. De outro, é mortalmente carente, quer ser amada em cada poro - não necessariamente por mim, claro. Mas essa indiferença me estimula, faz pensar que meus jogos de sempre com quem me valoriza dessa vez não são aplicáveis, meu leito de Procusto. Posso vê-la mais como ela é na medida em que ela se furta a mim. (3) Por outro lado, com ela estou em pleno adultério, e a Clara que me ama também é diferente de outra forma. Arrumei meios de não cansar dela, eu a mantive. Dessa sou eu a divergir, a me furtar de sua crença em nós dois. Daí eu estar usando esse texto, perdido em algum lugar, pra dizer o que não posso ser lido por ninguém que eu conheça sabendo que sou quem escreve. E a Trevosa não teria o menor interesse em lê-lo. Ela é inculta, não compreende termos ligados à sua própria cultura (como diabos pode uma trevosa não saber o que é "esquife"?) e não tem paciência para ouvir uma música por mais de três minutos. Claro, ainda por cima é mais nova do que eu. Preciso lembrar de seu aniversário. (4) Engraçado como o "io" no final de "aniversário" assemelha-se gráfica e foneticamente à letra "ю" do alfabeto cirílico. Um comentárю como esse renderia o mais solene bocejo da boca perfurada da Trevosa. Mas eu escrevo: relicárю, aniversárю, otárю. Seu aniversárю, portanto, é no quadrado de meu número de sorte, o 5. Bobagens que eu mantenho na cabeça pra tentar lembrar dela como um todo, algum todo - pelo menos o plano matemático inteiro, como pode ser subentendido num simples algarismo. Ó grande número escrito no muro... (5) Sobre a Clara, eu lembrei agora de uma estória. Assim que terminamos, ela virou evangélica. Não uma evangélica qualquer, mas daquelas que têm blog, divulgam a palavra de Deus e são militantes no conservadorismo. Pois bem, depois de tudo consumado, eu e Trevosa nos juntamos. Tivemos um filho, que ambos concordamos chamar de Nereu. Dada minha avançada idade e a marca do fim em todas as coisas, morri. No céu, encontrei a Clara. Ela estava na beira de uma praia linda, numa alvorada, toda vestida de branco. Sentei a seu lado. Ela, toda feliz, disse com intimidade: "viu, seu teimoso atrabiliárю, como Deus existe?" e respondi "existe nada, olhe pra esse lado: somos apenas personagens de um conto escrito num pedaço de papel por alguém com saudades da Trevosa".
5/01/2012
desvio para o vermelho, 3
(obra de Martin Creed, na Tate)
e sem despertar do sonho Alice está num campo
minado Sábios desenrolam palavras como
papiros
em mesas de madrepérola e laca mas suas vozes
não cantam nada além de um falso estupor falso
boulevard crivado de neons onde os paralelos
estão cobertos de strass
[engalanados] enquanto
eles sentem que o verso é
desdobrar fibra por fibra
o coração do poema sonhando
com os fios tensos
que atravessam os vãos em alta freqüência até
o limite da dor ou seja do pensamento ou seja
do poema ou seja daquilo que se possa chamar
de sentido no mergulho do sublime Alice rabisca
à margem palavras que foram tatuadas no corpo
bem dentro [na pele dos dias] palavras que não re-
presentam nada, apenas são e emergem do fundo
trazendo bile sangue carne secreções sob o olhar
disléxico da musa anoréxica do fracasso inesperado
da palavra Os sábios fazem posições nos bailes
da corte entre perucas maquiagens e violas
de gamba de onde saem guitarras elétricas de onde
saem telas iluminadas de onde saem luvas de pelica
de onde saem céus galvanizados de onde saem sons
de apocalipse de onde sai a
trombeta do anjo
vingador de onde sai criptonita
de onde saem
labaredas de onde saem sintetizadores de onde saem
carreiras de pó na madrugada branca de onde saem
poetas raspando à unha o ouro das molduras
para enfeitar suas lombadas suas noites suas
metáforas suas vozes sua estese seu lugar nenhum
4/29/2012
Uma presença incerta, algo como um calafrio, uma visita inesperada. Olho pro teto: um pequeno cubo luminoso, semelhante a uma cigarreira com figuras humanas de perfil: azul claro em meio à escuridão. Digo: “não tenho medo e nem odeio”. Do cubo começam a cair pequenos losangos coloridos. Quantas cores: azul, verde, vermelho, amarelo: cada losango se abre e dele saem novos e menores losangos de cores diferentes: lilás, cinza, laranja, branco. É tudo tão lento: os losangos parecem se mover como se fossem animais marinhos, polvos abrindo seus tentáculos e procriando vidas de seda. Antes de os losangos desaparecerem ao tocar meu rosto, novos e novos se abrem, sempre menores – e cada vez mais coloridos. Uma sensação de tranqüilidade: ou a presença se foi ou ela se dissolveu em meu rosto, que brilha suavemente na escuridão enquanto desapareço.
4/28/2012
o ritual preparatório da ginasta abramovic é muito intenso poucos suportam alguns voltaram esquálidos ganhadora da medalha de ouro do silêncio na última exposição pública internacional do MOMA ela ficou sentada calada sentada ereta eu olhava ela sentada sentada ela se prepara para a vida com dor.
e finalmente o doente terminal do hospital da esquina foi desligado dos aparelhos e com alta dose de morfina terminou sozinho sua morte.
O que passa por estas tubulações, de apartamento a apartamento, de edifício a edifício
canalizado por dentro de onde vem
o ódio, vem o medo. De minhas pernas vão brotando raízes e um sujeito se enredando em sua própria e alheia seiva envenenada caminhar é cada vez mais difícil.
Um justiceiro a cada esquina e você de refém
do espírito da época.
Há um estranho arco-íris brotando de sua boca, alguma coisa mais com a cara
de uma falha no sinal da televisão. Alguma coisa assim parecida com a sopa primordial de onde algum dia quem sabe brotará
a vida – se rolar um seqüestro um
relâmpago.
canalizado por dentro de onde vem
o ódio, vem o medo. De minhas pernas vão brotando raízes e um sujeito se enredando em sua própria e alheia seiva envenenada caminhar é cada vez mais difícil.
Um justiceiro a cada esquina e você de refém
do espírito da época.
Há um estranho arco-íris brotando de sua boca, alguma coisa mais com a cara
de uma falha no sinal da televisão. Alguma coisa assim parecida com a sopa primordial de onde algum dia quem sabe brotará
a vida – se rolar um seqüestro um
relâmpago.
4/27/2012
Seu Cu
Eu nunca pude lembrar de você.
Nem no instante em que te via
As imagens encaixavam.
Não sabia o que dizer
Quando perguntavam se você era bonita.
Porque você mesma, completa, inteira,
Não havia.
Seu nariz violenta a dimensão
Dos olhos, pincelados a esmo no oliva do rosto.
Os quadris puxam duas pernas
Pelas tribais entre serpentes,
Aparentando grande esforço.
Teu torso tem tal textura ao toque,
As coxas têm outra -
Seu aço cirúrgico fura a carne
Sugerindo ligações galvânicas
Com traçados que os relâmpagos não repetem direito
E o coração
É alado, tatuado no peito.
O resultado, que se pode ver nas fotos
Cada vez é diferente, de repente
Toma a frente um elemento
E rearranja de imediato todo o resto.
E assim ia a coisa
Até que um dia
Depois de abraços e sorrisos
Seus multilábios disseram, molhados:
"Olha,
Esse é meu cu."
Impedindo, deixando,
Contraindo, relaxando,
Fez sentir aquele pequeno trecho
Cada reflexo a manter unidos os gemidos de seus mil pedaços.
Do veludo eriçado da nuca em crepúsculo atrás das costas aos espasmos da mão na buceta, dos saltos de fôlego aos movimentos difíceis das pernas em decúbito, seu cu dava notícia, transmitia em ondas as mais sutis variações. Os fluxos nervosos de todo o seu corpo começam e terminam nessas bordas, e com o desabrochar das dobras pude sentir lá no fundo, pulsando como um centro de estrela, todo o amor que lhe faltava.
E ainda falta.
Mas hoje eu sei do que lembrar
Quando penso em você
Comprando pão na padaria
Rindo do espanto de quem fica te olhando
Pulando na pista que nem louca
Aos berros no meu ouvido
Dizendo ser minha amiga
Seus olhos rascunham um soslaio
Sua boca é um talho de cutelo
Onde os raios metálicos constelam sem jeito
O coração exangue desbotando sobre o peito
Mal-entendidos, polêmicas, revertérios
Serpentes nas pernas à deriva
É tudo uma grande zona.
Mas seu lindo cu
Sua malva sensitiva
É meu ponto de fuga
Que põe sua alma em perspectiva.
4/26/2012
TFC
Eu acho que foi de propósito
Eu sei que ela sabe de fato
Passei meses debruçado
Sobre sua indiferença. Ela (1),
Que com seus vários problemas
Vive o paraíso da minha ignorância,
Olha pro lado
Como os garçons que chamo
(Se eu te chamar, venha)
Você não está preso no rodapé
De uma
_______________________________
1 - Tradutora feminista canadense.
Eu sei que ela sabe de fato
Passei meses debruçado
Sobre sua indiferença. Ela (1),
Que com seus vários problemas
Vive o paraíso da minha ignorância,
Olha pro lado
Como os garçons que chamo
(Se eu te chamar, venha)
Você não está preso no rodapé
De uma
_______________________________
1 - Tradutora feminista canadense.
4/25/2012
DEDICADO A VOCÊ
Quando leio no meu mural
você dizendo
sau
da
des
aqui em casa Johnny Hartman
canta na maior precisão
algo que adocica a
dor todo talento assim dedicado às
coisas do coração e
nada fica igual naquela voz porque os
volteios cada nota se funde e
ecoa o sax de Coltrane
tudo parece agora dedicado a você.
Quando leio no meu mural
você dizendo saudades o
tom macio daquelas vogais parece
uma menina de patins
deslizando macias as
rodas virando suave para parar e
voltar mais uma vez o
amor crescendo pelos ares e
portas faz tudo movimentar a
canção parece que sente
aqui em casa sinto o
vento agora no Rio
alto verão e muito calor.
Quando leio no meu mural
você dizendo
sau
da
des
aqui em casa Johnny Hartman
canta na maior precisão
algo que adocica a
dor todo talento assim dedicado às
coisas do coração e
nada fica igual naquela voz porque os
volteios cada nota se funde e
ecoa o sax de Coltrane
tudo parece agora dedicado a você.
Quando leio no meu mural
você dizendo saudades o
tom macio daquelas vogais parece
uma menina de patins
deslizando macias as
rodas virando suave para parar e
voltar mais uma vez o
amor crescendo pelos ares e
portas faz tudo movimentar a
canção parece que sente
aqui em casa sinto o
vento agora no Rio
alto verão e muito calor.
4/23/2012
desvio para o vermelho, 2
(Desvio para o vermelho, de Cildo Meirelles)
Alice voltou do sonho mais completamente
só do que antes Ela veio atravessando o vazio
entre dois desertos e sem achar ninguém que lhe dissesse
bem-vinda O mundo estava resumido a poucas palavras
e o sonho não era mais um lugar pra onde
se voltasse Ninguém para comunicar as decifrações
elaboradas a punho, perdendo sangue, nem o amor
de sua vida, deitado ao seu lado, num universo
paralelo Ainda lhe dói o estrago da grande explosão
mesmo que o seu ruído agora se confunda ao mínimo
arrulhar dos pombos e seu brilho não passe de um desvio
no espectro, imperceptível sem equipamentos pesados,
como cabe a qualquer passado Neste dia Alice cruzou as pontes
incineradas do sonho e passou a contar os anos aos pares até
montar peça por peça o espólio do incêndio, o seu museu
portátil, sua história natural
Vestir este leve dourado
Cintilante
Como um véu
Sobre os olhos.
A luz que atravessa
As nuvens
Prestes a irromper em chuva.
Desejo cegar
Os meus olhos
Nessas asas translúcidas
Do poente
Não quero mais ver
Ouvir
Essas mandíbulas de formiga
Mastigando rancor
À sombra da estátua de uma andorinha
Obesa.
Quero me enxugar
Do lodo cuspido por tais
Almas. Que fiquem
Em seus corredores
Remoendo, dizendo
Sins e nãos
Com as mãos.
Que sequem as lágrimas
Com a terra impura
De seu terreno
Baldio.
Meus olhos serão minhas lentes –
Não vou me salvar
Mas não ouvirei seus lamentos
E aplausos
Ranhetas
À sombra da tarde, do ocaso
Da vida.
Cintilante
Como um véu
Sobre os olhos.
A luz que atravessa
As nuvens
Prestes a irromper em chuva.
Desejo cegar
Os meus olhos
Nessas asas translúcidas
Do poente
Não quero mais ver
Ouvir
Essas mandíbulas de formiga
Mastigando rancor
À sombra da estátua de uma andorinha
Obesa.
Quero me enxugar
Do lodo cuspido por tais
Almas. Que fiquem
Em seus corredores
Remoendo, dizendo
Sins e nãos
Com as mãos.
Que sequem as lágrimas
Com a terra impura
De seu terreno
Baldio.
Meus olhos serão minhas lentes –
Não vou me salvar
Mas não ouvirei seus lamentos
E aplausos
Ranhetas
À sombra da tarde, do ocaso
Da vida.
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